quinta-feira, 30 de julho de 2009

Fumo

Unhas por cortar.
Barba por fazer.
Como que um vulto omnipresente, o senhor Rufino afoga-se na luxúria da sua cama de madeira maciça.
Desperta sem saber porquê.
Ressuscitou do sono pesado que cerrava as suas pálpebras por meras horas.
Intrigado, ergue-se calmamente e dirige-se ao mini-bar da sua sala, decidido em preparar um Martin fresco e adocicado.
Acende o famoso cachimbo, relíquia de família certamente e deixa-se ficar ali.
Olha em redor, fixa os olhos na enormidade de prédios que preenchem a vizinhança, que conduzem as largas avenidas ao protagonismo irreverente do centro da cidade.
Estranho, pensou .
O movimento nocturno era superior ao habitual,e não se tratava da barulheira de sexta e sábado à noite.
Era mais uma terça-feira de um Inverno particularmente gélido e extremamente desagradável ao toque do vento nas faces de estranhos avermelhados, atordoados com a madrugada cortante, determinados em encontrar uma esquina que abrigasse o vazio que insistia em ficar.
Viúvo de limpezas, de preocupações.
Rufino apreciava com apreço a urbe, o espectáculo de luzes.
Ouvia murmúrios daqui e dali, escutava conversas a meio, advertia meticulosamente o desenvolver de gestos apaixonados.
Adiou por várias horas a decisão de se levantar, de voltar para as fronteiras do conforto muscular.
Já cansado visitou por instantes o frigorífico, em seguida a casa-de-banho.
Terminou a viagem no consolo de lençóis convidativos, e sem mais forças para resistir, caiu na luz débil e subtil que cobria timidamente o seu quarto.

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