sábado, 25 de abril de 2009

Tributo

Reluzentes, Surgem memórias que depressa nos enchem de tudo.
Rasgos de lembranças, palavras, chuviscos de flashes a preto e branco que precederam a nossa existência ainda menina.
Vidas que ficam por contar, momentos que alteraram a a história da pátria.
A luta por uma sociedade digna e justa.
A luta pela liberdade.
Essa brisa rara, repleta de cheiros e sons que ainda nos chegam aos ouvidos divinamente.
Abrir asas, abrir mentes..
Transcender à pureza de águas límpidas e claras, à imanência da verdadeira origem.
O verde forte ou leve da Primavera que amadurece com o passar dos tempos.
O amarelo ou o lilás das tulipas já em flor, unidas, intocáveis.
Ascender aos céus como uma pássaro impune e sublime.
Gargalhadas, beijos intensos, o belo do café matinal e do jornal cujo cheiro característico a carvão não passa despercebido.
Conversas de café, uma viagem ao passado ainda no presente em alguns recantos ou ruas estreitas, ou páginas envelhecidas pelos ponteiros do tempo que ficaram por terminar.
Traços vincados pela alegria e pelo choro num rosto carregado e já há muito cansado.
A todos o que me deram colo, que me limparam as lágrimas, que me acudiram em cenários de aflição.
A todos os abraços.
A todos os sorrisos breves ou longos, falsos ou verdadeiros.
A tudo o que me rodeia.
À vida ou à morte.
À incerteza do instante seguinte.
Ao acto de permanecer lutando.
À luz ainda acesa..

Rita 26/5/2009



Lisboa _ Abril 2009













Belém _ Abril 2009







Quem tem medo do escuro ?




Debruçada sobre o seu leito, cobria o rosto com as mãos.
Escorriam-se lágrimas de uma vida feita de nadas, uma alma que estremecia sem propósito aparente.
Movia-se cuidadosa e lentamente, pé ante pé, tentando escapar ao tormento constante que a prendia à obscuridade emitida através de um olhar pálido fixado na imensidão do horizonte.
Não tinha noção do tempo, do que a rodeava, de quem era.
Só sabia que a sua frágil e inocente essência tinha desaparecido.
A alegria que outrora lhe corria nas veias tinha sido bruscamente levada.
As cores vivas que transpareciam na sua doce e luminosa alma tinham sido substituídas por um vazio gélido e cortante que um dia impediria o seu coração de voltar a bater.
Aliviada com tal notícia, foi inundada por um rasgo de esperança que depressa se desvaneceu.
Voltou a ser levada pelo medo e ilusão que nos últimos dias ocupavam o seu pensamento, como um manto negro de agonia e agressividade que se uniam como almas gémeas.
Estranhamente, estes dois sentimentos destrutivos e esquartejantes tinham-se um ao outro.
Encontraram-se no beco da perversidade de um mundo feito de tormentos.
Já para ela, a memória de um sorriso ou de um afecto verdadeiramente sentido estava em vias de ser esquecido.
Envolvida com a sua própria insanidade mental, contemplava-se ensanguentada e débil.
Temia não ter forças para mais um dia, por isso, deixou-se ficar quieta.
Completamente imóvel.
Desistiu de combater o terror desconhecido que a perseguia à uma eternidade.
Enroscou-se em si própria.
Rendeu-se ao destino inevitável,
e...
Após ter percebido que aquele era o seu último suspiro,
Acordou.

Rita 25/5/2009

terça-feira, 7 de abril de 2009

Pausa Matinal

Via-a de longe, sussurrante, lasciva, única. Aproximei-me e contemplei a beleza arquitectónica das habitações, cuja tradicional estrutura falava por si só.
Sentia-me em casa aqui.
A leve brisa refrescante atravessava-me o rosto pálido e ostentado de tanta doçura que transgredia como um espelho em seus olhos cor de amêndoa, arregalados e breves, reflectindo a mistura de sabores e sensações que formavam uma sinfonia inocente e agradável de escutar.
Conseguia sentir o odor a vinho tinto e a grelhados, que davam à urbe que me viu nascer uma atracção sedutora crescente entre o velho e o novo, o moderno e o degradado, o contemporâneo e o vintage.
Tornando a coisa mais simples, entre a minha depravação e a tua lucidez.
Perdia-me em suas ruelas diabólicas com facilidade, mais perto ou mais longe de escutar um fado de origem desconhecida , que segredava ao ouvinte felicidade e tristeza, vida e morte.
Um turbilhão de emoções escorriam pelas janelas ornamentadas e de considerável tamanho que nos conduziam à bela da marquise com azulejos marfim em tom base, completados por motivos campestres verde-lima e azul-bebé atribuindo à divisão um design digno de um museu.
Dedilhando cá e lá a guitarra portuguesa em tom melancólico, Octávio preparava-se para mais um espectáculo íntimo na casa que servia refeições denominada de “A taberna do Zé”.
Eram este tipo de títulos que nos aconchegavam a barriguinha mesmo antes de ver o cardápio, um culto organizado, como “A comidinha da dona Rosa” ou “O Javardão”.
Ok, este último não foi o melhor exemplo, dado que fazia lembrar mãos sujas, rabos mal lavados e gases de origem corrosiva.
O meu olhar mudou rapidamente de direcção atraído pela tua luminosidade e brilho jamais conhecido.
Olhei, voltei a olhar e consegui ver.
Era místico, perturbador... Diria até intrigante.
Decidi observar por breves segundos.
Eram dois amantes derrotados pelo desejo mútuo de possessão, viciados um no outro, como uma droga inesgotável que consumiam sem deixar rasto.
Ecoavam gemidos apressados e cada vez mais audíveis, à medida que a luta instrumental se consumava.
Desenfreados, a trompete e a guitarra guiavam de mãos dadas, duas essências no feminino estranhamente aceites pelo público entusiasta que aplaudia com satisfação.
Nunca tinha ouvido nada tão justo e perfeito, penetrando-nos numa viagem longa e puramente consciente , uma introspecção de difícil regresso.
Uma mestiçagem entre jazz e rock que recordava o embate ondulante das ribanceiras, fundido com um deserto seco e árido onde subsistiam certamente criaturas muito resistentes.
Uma explosão de tudo e nada, do quente e frio, do preto e do branco.
Perfeição.
É este o termo.
Para mim e para aquele punhado de ouvintes era a perfeição.
Sem pensar em mais nada, os nossos sentidos usufruíam daquele momento como o último segundo restante.
E no instante seguinte caímos novamente na monotonia de mais um dia.