terça-feira, 7 de abril de 2009

Pausa Matinal

Via-a de longe, sussurrante, lasciva, única. Aproximei-me e contemplei a beleza arquitectónica das habitações, cuja tradicional estrutura falava por si só.
Sentia-me em casa aqui.
A leve brisa refrescante atravessava-me o rosto pálido e ostentado de tanta doçura que transgredia como um espelho em seus olhos cor de amêndoa, arregalados e breves, reflectindo a mistura de sabores e sensações que formavam uma sinfonia inocente e agradável de escutar.
Conseguia sentir o odor a vinho tinto e a grelhados, que davam à urbe que me viu nascer uma atracção sedutora crescente entre o velho e o novo, o moderno e o degradado, o contemporâneo e o vintage.
Tornando a coisa mais simples, entre a minha depravação e a tua lucidez.
Perdia-me em suas ruelas diabólicas com facilidade, mais perto ou mais longe de escutar um fado de origem desconhecida , que segredava ao ouvinte felicidade e tristeza, vida e morte.
Um turbilhão de emoções escorriam pelas janelas ornamentadas e de considerável tamanho que nos conduziam à bela da marquise com azulejos marfim em tom base, completados por motivos campestres verde-lima e azul-bebé atribuindo à divisão um design digno de um museu.
Dedilhando cá e lá a guitarra portuguesa em tom melancólico, Octávio preparava-se para mais um espectáculo íntimo na casa que servia refeições denominada de “A taberna do Zé”.
Eram este tipo de títulos que nos aconchegavam a barriguinha mesmo antes de ver o cardápio, um culto organizado, como “A comidinha da dona Rosa” ou “O Javardão”.
Ok, este último não foi o melhor exemplo, dado que fazia lembrar mãos sujas, rabos mal lavados e gases de origem corrosiva.
O meu olhar mudou rapidamente de direcção atraído pela tua luminosidade e brilho jamais conhecido.
Olhei, voltei a olhar e consegui ver.
Era místico, perturbador... Diria até intrigante.
Decidi observar por breves segundos.
Eram dois amantes derrotados pelo desejo mútuo de possessão, viciados um no outro, como uma droga inesgotável que consumiam sem deixar rasto.
Ecoavam gemidos apressados e cada vez mais audíveis, à medida que a luta instrumental se consumava.
Desenfreados, a trompete e a guitarra guiavam de mãos dadas, duas essências no feminino estranhamente aceites pelo público entusiasta que aplaudia com satisfação.
Nunca tinha ouvido nada tão justo e perfeito, penetrando-nos numa viagem longa e puramente consciente , uma introspecção de difícil regresso.
Uma mestiçagem entre jazz e rock que recordava o embate ondulante das ribanceiras, fundido com um deserto seco e árido onde subsistiam certamente criaturas muito resistentes.
Uma explosão de tudo e nada, do quente e frio, do preto e do branco.
Perfeição.
É este o termo.
Para mim e para aquele punhado de ouvintes era a perfeição.
Sem pensar em mais nada, os nossos sentidos usufruíam daquele momento como o último segundo restante.
E no instante seguinte caímos novamente na monotonia de mais um dia.

1 comentário:

Joe disse...

=DD Olá again.