sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Memórias

Não sei se é febre da alma ou do espírito.
Permaneço sentado, alheio a tudo o resto, ao mundo..
Tenho a noção que sempre fui assim. vivo na amargura da vida independente que permanece por gosto ou por defeito.
vou à casa de banho, e sinto as mãos húmidas, como se estivessem mergulhadas num banho de sangue, que acabava por me as aquecer. Engelhadas, reflectem a alucinação que me atravessa a forma, que por alguma razão rara , sonhei que não se trataria de ilusão. Era real e soube tão bem, mas foi só um segundo, um sopro, um instante com pressa em desaparecer que não encheu a barriga de misérias de gentes e rostos.
Considerava-me orgulhosamente só e demasiadamente vivido para me converter à ignorância da felicidade que acaba sempre por chegar atrasada ou não aparecer.
É como quando somos putos e vamos a correr atrás de um arco-íris, mas nunca o alcançamos, nem alcançaremos, e mesmo que tal impossibilidade imposta pelas leis da física ocorresse, desfaríamos toda a sua beleza divina e impetuosa com as nossas brutas mãos animais, sujas e carregadas de uma curiosidadezinha estúpida que estas insistem em ter.
Lavei a cara e apercebi-me de que tinha comida no canto da boca. O espelho mostrava-me uma face desfeita pelas maleitas da vida, extremamente rugosa e assustadoramente arrastada por uma amargura que me seguia para todo o lado, e que, ao início me deixava petrificado pela loucura, infapaz de a enfrentar, receoso.
Agora éramos como unha e carne, perfeitamente unidos, juntos, sempre de mãos dadas, o que criava em mim uma beleza incalculável de paixão por ela, que aparecia sempre de surpresa, mas acabava por ficar, mesmo que eu estivesse bêbado que nem uma porta e não lhe ligasse nenhuma aparentemente, porque no fundo..
Conhecia como ninguém os meus olhos cor de carvão, inundados de olheiras e ramelas, sabia o meu corpo de cor e decorou sem eu perceber, todos os traços e linhas, que bonitos ou feios, ela admirava de uma forma que eu nunca tinha presenciado até à data.
E logo eu, magro pela doença sem nome, que me iludia na margem da vida, pela podridão do amor que me fazia delirar como um adolescente que beijou uma rapariga pela primeira vez.
Sempre lá estives-te, no teu canto, no teu mundo, e estranhamente apreciava quando entravas no meu, que era frio e rancoroso pela tua existência.
Sentia-te ódeo mas amava-te.
Amava-te e nunca disse, porque tu foste sem deixar pistas ou aqueles bilhetinhos estúpidos de despedida que me iriam destruir ainda mais.
Simplesmente foste.
Não me deste a oportunidade de te contar, de sentir pela última vez todo o prazer que me davas, de memorizar-te para preservar a insanidade que me consumia, quando te comtemplava a mente, essa brilhante e inigualável luz que possuías.
Agora revejo-te em pensamentos marcados pela impotência, em sonhos...
Num deles, vi acenares para mim e fiquei radiante mas quando acordei, voltei à ressaca da noite anterior, ao mundo negro e infernal, resumido a bocados de papel e fotografias, que brevemente entrariam em decomposição. Só restavam as memórias que sagradamente omitia.
Era a partir destas que voltava à tua essência.
E quando ela deixou de permanecer em tudo o que me levava a ti, a morte apoderou-se do meu espírito e fui ver-te.
Tal como tu, apareci sem avisar, e permaneci eternamente agarrado aos teus doces braços que me acalmavam sempre que queria acordar.